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25/10/2012|1245

A bancarrota capitalista sacode a América Latina: por uma alternativa operária e socialista

Pela fusão da esquerda revolucionária com o movimento operário

Manifesto programático votado na reunião de São Paulo, convocada pelo Partido Obrero, como parte da campanha internacional votada pela Coordenação pela Refundação da Quarta Internacional (CRQI), a 14 e 15 de setembro de 2012, com a presença de delegações do Partido Obrero (Argentina); Partido de los Trabajadores (Uruguai); Tribuna Classista (Brasil); personalidades e militantes do Brasil, Paraguai e Chile.


 


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As crises político-econômicas e as convulsões sociais que atravessam o cenário mundial são as manifestações inequívocas de uma bancarrota do sistema social capitalista. Passadas duas décadas da queda da União Soviética, da restauração capitalista e da intensa integração da China ao mercado mundial, a ameaça de dissolução da União Europeia e a crise norte-americana questionam o destino do regime capitalista em escala mundial, incluído aí o destino da transição capitalista nos ex-Estados operários. Todas as classes sociais enfrentam uma crise de poder; nos últimos dois anos e meio caíram 26 governos, incluindo a derrubada de regimes políticos inteiros, e aconteceram revoluções ou semi-revoluções no norte da África (em especial na Tunísia e Egito). A crise política na Grécia se manifestou na queda de três governos em sequência e deixou colocada a reivindicação política de um "governo de esquerda", em oposição a uma coalizão tripartite dos partidos capitalistas. A tendência à dissolução do capitalismo, que é a essência de toda crise que coloca em conflito extremo o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção prevalecentes, envolve na Grécia o conjunto das relações políticas.


As massas trabalhadoras começaram a irromper no cenário político mundial, de um modo definitivo. O período de euforia capitalista, demasiadamente curto, que se seguiu à dissolução dos ex-Estados operários, já está concluído há muito tempo. O desenvolvimento da crise em numerosos países, as lutas e rebeliões populares, puseram fim à especulação de que a crise mundial em curso se reduziria a um episódio econômico de características financeiras limitadas. O cenário mundial está dominado pelas crises de regime político e pelas reviravoltas das massas.


A ameaça de dissolução da União Europeia, ou sua alternativa, a conversão da Europa em um protetorado encarregado de reordenar de forma brutal o conjunto do quadro social desse continente, e por outro lado o desenvolvimento da revolução em vários países árabes e a ameaça de maiores guerras em toda esta região, vão configurando uma situação histórica excepcional. A política revolucionária deve consistir em orientar essa mudança para transformá-la em luta pela derrubada da burguesia e pela tomada de poder pela classe operária.


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A crise da União Europeia refuta novamente a utopia da unificação pacífica do capital financeiro (ultra-imperialismo), e deixa claro seu caráter reacionário, pois ela implica na submissão das nações mais débeis, no esvaziamento das instituições formais da democracia burguesa e na tendência para suprimir a autonomia nacional e substituí-la por um regime de protetorados. Os Estados Unidos da Europa não constituem uma superação histórica das fronteiras nacionais mas sim uma "utopia reacionária" (Lenin). A bancarrota capitalista apresenta, na Europa, um princípio de dissolução dos regimes políticos que emergiram da Segunda Guerra Mundial. Isto se manifesta na aparição de "governos técnicos", impostos pela Comissão Europeia e pelo FMI, e na tendência à dissolução dos regimes estatais, como no caso das comunidades autônomas do Estado espanhol, ou na reivindicação pela independência da Escócia (que se somam às provocadas pelas guerras imperialistas nos Bálcãs). Assistimos, além disso, a reviravoltas cada vez mais acentuadas na disposição política das massas, com rápidos deslocamentos para a esquerda. Destaca-se a velocidade que adquiriu esta reviravolta política na Espanha e também as manifestações que começam a produzir-se na Itália e na França. Os Estados Unidos, coração do capitalismo mundial, sufocado pelo peso de uma dívida pública de 140% do PIB, por uma dívida externa incomensurável e pela quebra financeira dos estados da federação, enfrentam um retrocesso social histórico.


O caráter sistêmico da crise do capitalismo se manifesta, sobretudo, no ingresso da China no circuito da bancarrota mundial, onde as rebeliões populares e operárias crescem como cogumelos. A crise sistêmica do capitalismo mundial (porque abarca todos os países e atividades econômicas) tem lugar em condições históricas concretas: em primeiro lugar, o seu avançado declínio (esgotamento de sua capacidade de desenvolvimento das forças produtivas, incluída aí a ameaça de sobrevivência do sistema planetário) em segundo lugar, um subconsciente coletivo dos explorados, determinado pela experiência de construção de grandes organizações de classe, incluídas numerosas revoluções, algumas derrotadas e numerosas triunfantes, que demonstram a viabilidade concreta de derrubar ao capitalismo e iniciar a transição para um regime social historicamente superior.


Os Estados Unidos da Europa, sob a forma inevitável de um protetorado, estimulam a luta inter-imperialista com os Estados Unidos e o Japão, e arrastariam à Rússia e à China para uma nova guerra mundial, sem espaço para nações "neutras". Em oposição a esta "utopia reacionária", propomos a luta contra os planos de austeridade da Comissão Europeia-FMI e a defesa das conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores; a ruptura nacional com a União Europeia, para construir os Estados Unidos Socialistas da Europa, incluída a Rússia, ou seja a unidade política do proletariado da Europa.


A inauguração de um novo período de revoluções e guerras civis no Oriente Médio modifica de forma definitiva as condições para a vitória nacional palestina e a formação de uma república palestina laica, unida e socialista. A velha dependência dos movimentos nacionais palestinos das burguesias e clãs feudo-capitalistas da região pode ser definitivamente substituída pela unidade política dos operários e camponeses do Oriente Médio.


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O desenvolvimento da consciência política da classe operária, que havia regredido por mais duas décadas, ganha um enorme impulso como consequência da bancarrota capitalista. Para a esquerda revolucionária e às massas apresenta-se a tarefa de preparar, através de um novo período de transição, o governo dos trabalhadores.


A América Latina não ficou à margem da crise mundial, como o evidenciaram as recessões de 2008 e 2009; seus governos (México, Brasil, Peru) tiveram que ser resgatados por créditos de emergência da Reserva Federal (Banco Central dos EUA), ou pelo Banco Central da China (no caso da Argentina). A crise acentuou o regime de monoprodução e o retrocesso relativo da industrialização dependente do capital internacional, tanto financeira como tecnologicamente. Produziu-se uma "abertura" unilateral maior ao mercado mundial, baseada em exportações de minerais e cereais, e um retrocesso relativo do mercado interno. As burguesias nacionais desperdiçaram as possibilidades que lhes oferecia a crise mundial para desenvolver as forças produtivas internas, pela simples razão de que para isso teriam que nacionalizar os bancos e o comércio exterior. A crise mundial fez o Mercosul retroceder; a política monetária ficou condicionada pela ação da Reserva Federal dos EUA. Nos últimos meses, o desenvolvimento da crise na China ameaça com um aumento das alíquotas de exportação; e para os países importadores, gerou-se uma crise alimentar fenomenal com uma sequência de levantamentos populares.


Os altos preços das commodities foram usados para encapsular a miséria social com planos de assistencialismo, e para a acumulação parasitária de reservas internacionais, funcionais à especulação internacional. A assistência social é apresentada como um método de distribuição de renda, quando na realidade, consolida um exército de desocupados crônicos, sem perspectivas, que pressiona, simultaneamente, para uma baixa dos salários reais e provoca, por outro lado, uma maior diferenciação social no seio das massas populares. Os governos nacionalistas tem se valido destes planos assistenciais para opor a massa sem trabalho à classe operária. O operário da indústria é apresentado pelo nacionalismo como "uma aristocracia", deste modo, justifica a "redistribuição de renda" do operário industrial para a massa sem emprego, mediante impostos ao consumo e confiscação das aposentadorias. Esta "nivelação por baixo" tem sido largamente promovida pelo Banco Mundial, as ONGs e os capitalistas da filantropia. Também é um método de controle social pelos Estados e suas agências sobre as massas mais golpeadas pela crise capitalista.


Em vez de uma acumulação de recursos produtivos, as nações latino-americanas estão experimentando a maior fuga de capitais da sua história. No caso da Venezuela, cuja atividade produtiva fundamental, o petróleo, encontra-se formalmente nacionalizada, registra-se uma crise de custos e de endividamento sem antecedentes da PDVSA, que depende cada vez mais dos acordos de participação com os monopólios internacionais na exploração da Bacia do Orinoco. Após doze anos de experiência bolivariana, a estrutura de classes da Venezuela não mudou, nem sua economia rentista. As nacionalizações das empresas não provocaram um desenvolvimento das forças produtivas, mas um retrocesso.


Os governos bolivarianos (Alba) se vantam de ter realizado uma integração sem precedentes na história regional. Confundem aparências com realidades, e palavreado com substância. Nada o demonstra melhor, em primeiro lugar, do que o retrocesso persistente do Mercosul (onde diminuiu o intercâmbio interno), embrenhado em uma disputa comercial interna em plena crise mundial. O propósito principal dessa associação – negociar, como bloco, uma maior integração ao mercado mundial – concluiu em um fracasso (apenas firmou-se um acordo de livre comércio… com Israel!). O Brasil e a Argentina estão incorporando a Venezuela à associação, mas se trata de um acordo vazio de conteúdo. A comentada integração energética que postulava esse acordo está refutada pelo fracasso do acordo Brasil-Venezuela para construir uma refinaria binacional em Pernambuco. Sem falar em que Hugo Chavez deverá agora abrir a economia venezuelana ao regime sionista. Os dois principais projetos de integração – o gasoduto continental e o Banco do Sul – estão sendo arquivados; nem sequer tomou vulto a substituição do dólar pelas moedas locais nos intercâmbios regionais. O "socialismo do século XXI" se condiciona a si próprio ao unir-se a uma integração capitalista que não aponta para a independência da América Latina, nem muito menos para superar o capitalismo. Dilma Roussef e Cristina Kirchner foram incapazes de impedir o golpe contra Lugo, como antes havia ocorrido com a Unasul diante da derrubada do presidente hondurenho Zelaya. Brasil e Argentina submetem o Paraguai a uma exploração semicolonial, em primeiro lugar pelo saque energético a que submetem a nação guarani, e por outro lado pelo monopólio comercial que exercem sobre a exportação de soja paraguaia, em beneficio de monopólios internacionais e nacionais com sede em São Paulo e Rosário (Argentina). Roussef e Kirchner não podem fazer mais do que fizeram contra o golpe contra Lugo, porque protegem em seus países os mesmos interesses do capital latifundiário da soja.


A renda produzida pela energia elétrica de Itaipú e Yaciretá, que se assemelha à do petróleo e do carvão, sendo determinada pelo mercado mundial, é apropriada pelo Brasil e Argentina, em detrimento do Paraguai (a retribuição ao Paraguai se estabelece através de um regime de custo + lucro, e não toma em conta, por tanto, a elevada renda da hidroeletricidade). O intento de Lugo de elevar a cota dessa renda para o Paraguai foi rechaçado sem contemplações por seus vizinhos "integracionistas". Esta experiência demonstra como é infundada a proposta da Frente Guazú do Paraguai, que aponta a integração latino-americana como via para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. Esta saída somente é possível por meio da recuperação da soberania energética; a nacionalização da terra; e a estatização do comércio exterior.


No marco dessa situação regional do Paraguai se processa a instalação no país da empresa mineira canadense Rio Tinto, que consumiria o excedente de energia que produz o país, e desviaria a renda energética para o monopólio mineiro. Rio Tinto reelaboraria matéria prima importada para produzir alumínio, com a única finalidade de monopolizar a renda da eletricidade. Os interesses da oligarquia paraguaia (que inclui os latindiários "brasiguaios"), por outro lado, estão profundamente entrelaçados com os negócios montados no país pelo agronegócio brasileiro e os grandes monopólios agrícolas imperialistas. Paraguai é um dos países do mundo com maior concentração fundiária: 2% da população possui 85% das terras, incluídos os 8 milhões de hectares usurpados durante a ditadura de Stroessner, correspondentes a 20% do território. A integração latino-americana que propicia especialmente o Brasil serve aos interesses das grandes construtoras de obras de infraestrutura (empreiteiras), vinculadas aos investimentos de capitais mineiros internacionais, e em estreita relação com o capital do maquinário pesado dos Estados Unidos (Caterpillar).


Os socialistas revolucionários denunciamos as limitações insuperáveis da integração capitalista da América Latina e os objetivos exploradores dos monopólios internacionais que se associam à reivindicação de integração, e defendemos a confiscação do latifúndio, a nacionalização dos bancos e do comércio exterior, e o estabelecimento de uma Federação Socialista.


A presença militar norte-americana na região não se debilitou. Continua presente na Colômbia e Panamá; manifesta-se nos exercícios militares conjuntos e nos contratos de produção militar com governos da região. Em função de dar operatividade à IV Frota dos EUA, se negociam bases militares no Chaco argentino e paraguaio. O apoio dos EUA à ocupação militar britânica nas Malvinas é funcional a essa estratégia.


A manifestação mais grosseira da pretensão emancipadora do latino-americanismo pequeno-burguês nativo é a ocupação militar do Haiti, por um lado, e a rejeição da reivindicação de independência de Porto Rico de sua integração a uma Federação Socialista da América Latina e do Caribe.


O início das negociações de paz entre o governo da Colômbia e as Farc pode considerar-se como um reconhecimento do caráter de força beligerante da guerrilha, por parte do Estado e das forças armadas da Colômbia, e como um passo para a chamada "saída humanitária" do conflito. Porém, o objetivo estratégico desta negociação é elaborar uma saída capitalista para a grande expropriação dos camponeses que ocorreu na Colômbia; incorporar milhões de hectares ao mercado sojeiro internacional; desenvolver a penetração do capital financeiro no petróleo colombiano; resolver a questão da integração dos para-militares colombianos ao regime político; e, por sobre todas as coisas, consagrar a colaboração do chavismo e do castrismo com a ordem capitalista-latifundiária do Caribe. Por isso essas negociações são apoiadas por todo o establishment internacional, que busca também, por este caminho, assimilar o chavismo e reforçar o marco internacional para uma restauração plena do regime de propriedade privada em Cuba. Este novo recurso a uma "negociação de paz", que compromete a guerrilha a sustentar o regime político vigente, constitui uma nova demonstração de que a violência ou o militarismo não constituem por si mesmo um programa de emancipação. Denunciamos os limites insuperáveis das negociações de paz, como instrumento para acabar com a miséria das massas caribenhas e a sujeição nacional de seus países, e fazemos um chamado para aproveitar a "pacificação" que poderá resultar das negociações para reforçar a organização operária e popular, avançar nas reivindicações, desenvolver a luta de massas e, em definitiva, apontar para uma alternativa operária e socialista.


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Os governos nacionalistas pequeno-burgueses, civis ou militares, pretendem assumir a representatividade histórica dos interesses populares. Buscam fundamentar sua legitimidade política como oposição à "direita" (utilizando também esse recurso para dissimular a presença em seu cerne de uma poderosa, e dominante, direita endógena). Procuram com isso, principalmente, desviar ao movimento de massas de sua tendência para a ação independente.


A Argentina, afetada por uma séria crise fiscal que afeta a capacidade de arbitragem do kirchnerismo, assiste a um principio de ruptura da classe operária com o governo, e também a um principio de ascenso da esquerda. As medidas intervencionistas parciais estão conduzindo a um deslocamento da economia, agravando a fuga de capitais e provocando uma recessão que afeta a setores fundamentais da classe operária. A burocracia sindical enfrenta essa crise desacreditada e questionada por um novo ativismo sindical que busca recuperar os sindicatos para uma política independente.


Na região, o governo do Brasil está se colocando na linha de frente da tentativa de descarregar a crise sobre as costas dos trabalhadores. Ao anunciado novo ciclo de privatizações dos portos, rodovias e aeroportos, com generosos subsídios para o grande capital, se acrescenta um completo programa anti-operário que aponta para a destruição da legislação trabalhista. A estratégia é proceder a um gigantesco confisco de recursos para subsidiar as empresas privadas e mitigar a queda da taxa de lucro. A reação das massas começa a transformar um cenário político obstruído durante quase uma década por um governo de colaboração de classes e de submetimento dos sindicatos através das burocracias da CUT e do MST. Frente às greves nacionais de ao menos 35 categorias de empregados públicos, Dilma Rousseff apelou para todos os recursos legais e ilegais para enfrentar os grevistas. Criminalização das lutas, não pagamento dos dias parados, aumento da violência contra os pobres, decretos inconstitucionais contra o direito de greve, revelaram aos olhos das massas o caráter anti-operário e antipopular do governo brasileiro.


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A mobilização mais vasta e radicalizada da juventude, como o demonstra o Chile, é um fator fundamental da situação política latino-americana. A rebelião contra o "ajuste" da educação tem características internacionais, como testemunham as lutas que ocorrem do Chile até o Canadá, passando pela Colômbia e a Europa. São resultado da privatização do ensino e da enorme carga financeira assumida pelas famílias para custear os estudos. A bancarrota financeira tem colocado em crise este sistema, inclusive nos países ricos. Nos mais pobres leva a ruína dos municípios, que recebem a responsabilidade da educação primária. A crise mundial reforça a asfixia orçamentária na educação pública e o subsidio à capacidade econômica da educação privada. Na América Latina, as grandes mobilizações dos estudantes chilenos colocaram em xeque o conjunto do sistema político.


A retomada em 2012 dos protestos dos estudantes chilenos, converteu-se no eixo nacional de mobilização dos oprimidos do país, colocando em xeque o governo de Piñera. O Chile é o exemplo extremo da destruição da educação pública, pelo estabelecimento dos planos do Banco Mundial, impostos a sangue e fogo por Pinochet. Na Argentina, a juventude revolucionária ocupa um papel dirigente nas maiores universidades, resistindo aos ataques do governo Kirchner, que quer colocar as organizações forjadas através da luta estudantil a serviço do Estado. O julgamento dos responsáveis pelo assassinato do jovem militante do Partido Obrero, Mariano Ferreyra, realizado por um bando para-militar da burocracia sindical, converteu uma reivindicação de justiça em uma auténtica causa nacional da juventude. No Brasil, a greve universitária contou com a participação massiva dos estudantes por fora das estruturas regimentadas pelo governo. No México, o regresso do PRI ao poder, longe de representar uma recomposição da autoridade de um Estado que se encontra em processo de desintegração crônica, foi precedido pelo surgimento de um grande movimento de juventude, o Yosoy132. O governo de Peña Nieto, raivosamente pró-imperialista e com uma ampla agenda antipopular, deve enfrentar uma juventude "indignada" que ocupa as ruas.


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Sob um aparente imobilismo político institucional, em Cuba está se desenvolvendo um terremoto econômico social. Em nome da "atualização do modelo econômico cubano" abriu-se uma via para concessões crescentes ao capital externo e para diversas vias de acumulação interna do capital (compra e venda de residências e propriedades imobiliárias, de veículos, etc.), potencializando economicamente os envios de dinheiro de Miami. A dependência cada vez maior do turismo desenvolve de forma peculiar a chamada "doença holandesa", pois encarece em termos internacionais a produção interna, em primeiro lugar a agricultura. A importação de alimentos para o consumo do turismo obstrui a valorização da agricultura cubana, o que ameaça com produzir um exército crônico de desocupados com a população demitida pelas empresas do Estado, em uma espécie de "plano de ajuste socialista". O duplo tipo de câmbio e a circulação do dólar no setor turístico (principal fonte de divisas do país, e de renda para uma parte substancial da população) aceleram os mecanismos de acumulação internos. A diferenciação social cresce aceleradamente e estimula a cobiça da burocracia em transformar-se em classe proprietária.


A crise capitalista mundial acelera, por um lado, a tendência à restauração capitalista, enquanto a converte, por outro lado, em mais catastrófica. Observam-se na ilha fortes tendências à deliberação política. A falta de liberdades e direitos políticos obstaculiza a capacidade dos trabalhadores para enfrentar a crise em função de seus próprios interesses. A liberdade sindical e política é uma reivindicação fundamental para lutar por uma saída socialista. Sobretudo, o destino da revolução cubana está nas mãos (e sob a responsabilidade) dos trabalhadores da toda a América Latina.


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A esquerda revolucionária e o socialismo se encontram, na América Latina, frente a um desafio histórico. A bancarrota capitalista e o esgotamento das novas experiências nacionalistas constituem o terreno histórico potencial para uma recuperação de forças do movimento revolucionário. A tarefa decorrente é, em primeiro lugar, discutir a caracterização do momento histórico presente para desenvolver, ao mesmo tempo, uma frente única continental da esquerda revolucionária. Não devemos esquecer, nem por um momento, que as massas seguem, ou ainda se encontram, prisioneiras de experiências ou movimentos nacionalistas, que somente poderiam superar por meio de sua própria experiência; isto sempre que a esquerda revolucionária intervenha nessa experiência. Isto põe de manifesto o caráter liquidacionista da autoproclamação e do propagandismo testemunhal. O impasse mais agudo da esquerda se manifesta na Venezuela, onde uma parte importante do movimento operário vota na oposição "esquálida", como uma falsa via de luta contra a estatização dos sindicatos por parte do chavismo. Os nacionalistas são muito conscientes do impacto demolidor da crise mundial sobre suas bases políticas. Por isso, se apresentam como "anti-ajuste" e até como anticapitalistas, enquanto "ajustam" e pactuam com o grande capital, em especial, com o capital mineiro e com as grandes construtoras. Recorrem, frente à crise, a expropriações isoladas e a um intervencionismo econômico "sui generis", que a burguesia espera que sejam episódicas. Utilizam esse recurso para encobrir, do ponto de vista ideológico, uma implacável cooptação do movimento operário e das organizações sociais, que deveriam apoiar, dizem, o "projeto nacional". Não se trata de opor ao "discurso" nacionalista o "discurso" socialista, com a ilusão de inclinar para a esquerda o bonapartismo no governo, mas de denunciar as limitações da política nacionalista e a hipocrisia de seu discurso para organizar os setores operários mais avançados e, finalmente, as massas, para disputar com o nacionalismo o poder político. Neste quadro, o desenvolvimento das reivindicações operárias e populares, estimuladas pela crise mundial, e o naufrágio do intervencionismo econômico nacionalista, constituem uma ferramenta decisiva para mobilizar e organizar as massas influenciadas pela experiência nacionalista.


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O golpe contra o presidente Lugo no Paraguai deixou lições cruéis, porque Lugo foi derrotado por seus próprios aliados políticos. A esquerda paraguaia seguiu, neste aspecto, a experiência brasileira, ainda que em forma muito mais degradada: Lugo tomou como modelo o governo Lula, porém careceu dos recursos políticos do PT, que se aliou à direita e ao PMDB, e recorreu ao suborno para manter esta aliança de governo (mensalão). Lula e Lugo processaram a mesma aliança com os grandes capitais locais e com a velha política. Esta política também remete à experiência chilena da Concertação Democrática entre o PS e a Democracia Cristã. Trata-se de variantes de direita da "frente popular" impulsionada historicamente pelo stalinismo. O mesmo ocorre, até certo ponto, na Frente Ampla do Uruguai, onde a fração de Danilo Astori, vinculada ao capital financeiro, e alguns funcionários governamentais blanco-colorados, alargam a Frente Ampla para a direita. A Frente Ampla do Uruguai, a forma mais clássica da frente popular, está desenvolvendo uma experiência política de repressão contra o movimento operário (militarização das greves operárias, como é o caso, entre outras, das greves dos funcionários municipais de Montevidéu) com a colaboração da maioria dirigente do PIT- PNT, ligada ao Partido Comunista uruguaio. Nestas condições, a presença de uma fração de sindicatos que se opõe a política oficial, oferece a perspectiva de uma alternativa política a partir da classe operária. Em plena crise, no caso do Chile, devido à mobilização dos estudantes, desenvolve-se uma nova tentativa frente populista encabeçada por Michelle Bachelet; no Paraguai, o impasse do movimento operário e camponês manifesta-se na falta de independência política da esquerda em relação à liderança de Fernando Lugo, que acabou de protagonizar um fracasso político colossal que evidenciou uma incapacidade fabulosa para enfrentar a direita golpista. A esquerda do Paraguai tem a responsabilidade, primeiramente, de formular um programa, que se oponha ao "integracionismo" capitalista, defendendo a revolução agrária e o governo operário e camponês.


Não se pode passar por alto o papel reacionário dessas frentes populares no plano internacional. O PT foi o artífice para converter a candidatura e a presidência do peruano Ollanta Humala em uma agência dos capitais mineiros e das construtoras brasileiras e, inclusive na Venezuela, o PT colocou os ovos em duas cestas, porque também assessorou a candidatura de Capriles, enquanto proclamava apoio oficial a Hugo Chávez.


A perspectiva de um deslocamento revolucionário na América Latina coloca de forma aguda na agenda política a luta pela expulsão da burocracia dos sindicatos e a independência do movimento operário. A estratégia revolucionária consiste, no essencial, na união da esquerda revolucionária com o movimento operário. Isto exige um trabalho incansável nos sindicatos existentes; inclusive ali onde a esquerda revolucionária está conquistando posições sindicais e agrupando diversos sindicatos, a consigna de frente única, dirigida aos sindicatos tradicionais, é absolutamente fundamental; por um lado, para garantir uma luta de massas contra os governos capitalistas; por outro, para desenvolver uma experiência comum com os trabalhadores organizados nesses sindicatos.


Em meio aos horrores das guerras imperialistas contra os povos dependentes, que têm já um caráter serial, o próprio imperialismo impulsiona processos democrático-eleitorais, e inclusive justifica as guerras por esse objetivo. Não se pode, no entanto, assimilar os processos eleitorais todos em um mesmo nível, porque em muitos países, em especial na América Latina, emergem em parte significativa como consequência das lutas das massas contra as ditaduras impostas pelo imperialismo. Os processos eleitorais são um verdadeiro quebra cabeças para a esquerda revolucionária: algumas tendências subordinaram toda a sua ação política ao objetivo de entrar no parlamento, como demonstram as experiências da Izquierda Unida e Proyecto Sur, na Argentina; outras opuseram à luta eleitoral um falso obreirismo ou sindicalismo, que esconde algo fundamental: a ausência de uma luta política de conjunto frente ao Estado e seus partidos, que se expressa, em primeiro lugar, na ausência de um programa e no desprezo pela luta parlamentar e legislativa. Colocam um sinal de igual entre luta parlamentar e reformismo, quando o que distingue o reformismo é seu compromisso estratégico com o Estado burguês. Este impasse manifestou o caráter estritamente sindicalista da esquerda revolucionária, que concebe sua construção mediante uma acumulação progressiva de forças no campo sindical. Trata-se de economicismo a la latinoamericana. O trabalho socialista revolucionário, como método, deve consistir na propaganda e a agitação socialista em oposição ao Estado capitalista e seus partidos. A campanha da Frente de Esquerda da Argentina, em 2011, foi uma escola de política socialista no campo eleitoral. A participação eleitoral não deve ser uma interrupção do trabalho nos sindicatos, mas a continuação da tarefa estratégica de propaganda e de agitação e da formação de tribunos operários e revolucionários capazes de desenvolver o programa revolucionário, de forma pedagógica, frente aos trabalhadores e aos explorados. A pseudo-democracia burguesa deve ser superada por meio da experiência, e não por palavras, inclusive em seu próprio terreno.


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Rejeitamos a instalação de novas bases norte-americanas no Chaco argentino e paraguaio, e chamamos a ruptura de todos os acordos militares existentes com o imperialismo.


Diante da crise, propomos: nenhuma demissão nem suspensão, partilha das horas de trabalho sem afetar o salário. Indexação salarial e das aposentadorias de acordo com a inflação.


Frente à tentativa de arregimentação dos sindicatos por parte dos governos nacionalistas, reivindicamos a liberdade de negociação coletiva e a independência dos sindicatos. Denunciamos o papel da burocracia integrada ao Estado e defendemos a luta pela plena democracia sindical e por uma alternativa classista.


Impulsionamos a luta pelos direitos democráticos, em especial em defesa do direito irrestrito de greve, e do direito à organização e expressão política independente para os trabalhadores e a juventude.


Cancelamento do pagamento da dívida externa e da dívida pública usurária, com proteção do direito dos pequenos poupadores.


Nacionalização integral dos bancos, do comércio exterior e das empresas privatizadas, sem indenização, sob controle dos trabalhadores.


Nacionalização de todas as empresas subsidiadas pelo Estado, abertura dos livros, reorganização financeira e industrial sob a gestão dos trabalhadores.


Reforma agrária com expropriação sem pagamento dos grandes latifundiários e do grande capital do agronegócio. Nacionalização dos hidrocarbonetos e das jazidas minerais, de todos os recursos naturais da América Latina, sem pagamento aos monopólios capitalistas. Expulsão das camarilhas capitalistas da direção das empresas total ou parcialmente estatais, para colocá-las sob controle de gestão operárias.


Que a crise a paguem os capitalistas. Pela unidade socialista de América Latina e do Caribe, incluído Porto Rico.