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25/10/2018

Aonde vai o Brasil

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A campanha do segundo turno no Brasil, cuja votação ocorrerá no domingo que vem, se desenvolveu como havíamos previsto nas páginas do Prensa Obrera. Enquanto Jair Messias Bolsonaro acentuou o caráter militarista e fascista de suas propostas políticas, Fernando Haddad, o candidato do PT, tentou aproximar-se do establishment político tradicional do Brasil, inclusive do alto comando militar. O empenho não lhe  trouxe nenhum resultado positivo, porque tanto a Bolsa como o comando do exército apoiam decididamente a Bolsonaro, financiam sua campanha e tutelam seu programa. A campanha do PT virou um caso de rotunda ficção política.


Um fascista com celular

Neste quadro de conjunto, Bolsonaro aproveitou as concentrações em seu apoio, que ocorreram no domingo passado, para expor de forma aberta um programa fascista. Disse que o PT e seus militantes, que conquistarão, de qualquer maneira, uns cinquenta milhões de votos no segundo turno, deverão escolher “entre o exílio e a prisão”. Afirmou que varreria “aos vermelhos e às organizações sociais” do Brasil e que estabeleceria “uma retaguarda jurídica” para proteger a repressão policial, incluído a liberação da polícia para matar. Sustentou que “Lula irá apodrecer na cadeia”, quando o ex presidente tem em trâmite uma apelação à sua condenação no Superior Tribunal Federal. Para evitar qualquer dúvida sobre o caráter fascista de suas propostas, ameaçou em tirar de circulação ao diário Folha de São Paulo, que foi, no entanto, um pilar na campanha de destituição, naquele momento, de Dilma Roussef, bem como dos ataques ao Partido dos Trabalhadores. O pronunciamento ameaçador de Bolsonaro, que foi emitido de casa por meio de um celular, longe do clima de agitação de uma tribuna pública, culminou com uma semana de denúncias contra a campanha de notícias falsas que seu staff político desenvolveu em forma massiva pelas redes sociais, financiada por grandes corporações capitalistas brasileiras. (NTr – Última pesquisa do Ibope dá um aumento de rejeição ao fascista de carteirinha Bolsonaro em 5%, e na mesma proporção, diminuição de rejeição para Haddad)


Todas estas bravatas voltam a propor a questão em relação ao caráter fascista de Bolsonaro. Um setor heterogêneo da esquerda, tanto política como acadêmica, esforçou-se em negar a Bolsonaro essa condição. Descrições tais como “neo-fascista” ou “proto-fascista” apontam a apresentar como uma espécie de ‘fascista institucional’, que não pretenderia criar “um estado totalitário” e que ver-se-ia forçado a atuar num marco parlamentar de divisão de poderes. Trata-se de caracterizações estáticas, ou seja que carecem de uma perspectiva do processo tomado em seu conjunto. Benito Mussolini, por exemplo, o chefe do fascismo italiano, não impôs um estado totalitário até fins de 1925, quatro anos após sua ascensão ao governo, com o pretexto de pôr fim à crise desencadeada pelo assassinato, em junho de 1924, do deputado socialista Giacomo Mateotti. As leis raciais contra a comunidade judaica foram promulgadas tardiamente, em 1938, sob a pressão de Hitler. O fascismo deve ser combatido em seu ninho, não depois que tenha se consolidado sob a forma de um regime bonapartista. Rodrigo Duterte, o assassino serial que governa a Filipinas há dois anos com o método da “liberdade para matar” e os esquadrões da morte, reúne ainda hoje 75% de aprovação segundo as pesquisas, ainda que seu regime dá sinais claros de um esgotamento político.


 


“Construindo poder”

O partido de Bolsonaro, o PSL, até agora insignificante, obteve no primeiro turno oito milhões de votos, sozinho, e 52 parlamentares; chegou a quase 50 milhões de votos pelo apoio à sua candidatura por parte de outros partidos. O “bolsonarismo”, como corrente política, encontra-se representado em outros partidos – o qual amplia muito o que seria sua bancada no novo Congresso. Um relatório destaca (Nova Sociedade) que “também há outros (eleitos) ainda desconhecidos para a maior parte do público e que saíram das urnas com uma votação esmagadora em seus Estados e chegaram à Câmara com a moral alta e na mão do Bolsonaro”. Consagrou-se uma representação transversal aos partidos (ruralismo, evangélicos, militares) que poderia “garantir a maioria absoluta dos votos”. Nestas condições, “não será uma surpresa que o PSL avance num arranjo institucional com partidos menores, que já estão timidamente sob sua órbita”. Isto poderia converter-se em “o laboratório para a criação de um novo partido”, de acordo com a Folha de São Paulo. Bolsonaro transformar-se-ia de franco-tirador no caudilho de um aparelho que seria utilizado para construir uma base militante. O proto ou neo fascismo começaria a tomar a forma do fascismo sem prefixos.


Tanto o ruralismo, como os evangélicos e militares já transitam neste caminho (dos 52 deputados de Bolsonaro, vinte são policiais e militares). Os assassinatos no campo crescem o tempo todo, como consequência da luta contra o campesinato e os trabalhadores sem terra. O evangelismo é um movimento de massas, galvanizado por um aparelho financeiro poderoso e uma ideologia. Os militares e a polícia desempenham um papel maiúsculo na repressão e na organização e encobrimento dos esquadrões da morte. Um setor do capital financeiro propõe desmatar a Amazônia e privatizar sua biodiversidade, para abrir caminho ao capital sojeiro e aos grandes laboratórios internacionais. Bolsonaro vê-se obrigado a governar com métodos bonapartistas, devido às resistências das forças armadas em entregar o poder a um caudilho, que acabaria tomando com sua gente a direção militar. Vários eleitos, em especial nos Estados do Paraná e Santa Catarina, são ativistas jovens de hordas militarizadas de direita (Nova Sociedade), incluído um chefe militar que passou pelo comando de unidades.


 


Caracterização

A crise de conjunto do Brasil, bem como sua condição de país periférico, pode determinar alterações numa perspectiva reacionária sem matizes. Com uma dívida pública do 100% do PIB e um déficit do Tesouro de U$ 100 bilhões, ao ano, o Brasil deverá ser arrastado pela crise que atravessam as nações chamadas “emergentes” e ser forçado a realizar viradas, ou inclusive mudanças de política. É o que vem ocorrendo recentemente com o turco Erdogan, que embarcou já faz tempo numa retórica anti-Trump. Um nacionalista famoso, o chinês Chiang Kai-sek, viu-se obrigado a ensaiar uma espécie de resistência contra o Japão, em meados dos anos 30 do século passado, logo após ter executado o maior massacre de militantes do partido comunista. A rota do fascismo brasileiro deverá atravessar por esses mesmos obstáculos e, em particular, pelas sacudidas enormes que não deixará de provocar a crise mundial. A melhor caracterização e o melhor prognóstico político pode se converter num obstáculo em lugar de servir como guia, caso se apresentem de maneira esquemática.


A evidência de uma derrota está desenvolvendo no PT uma onda de “autocríticas” – como ocorre sempre sob a marca do fato já consumado. Em geral apontam o que faltou de uma política de unidade do chamado campo democrático, ou que não aprofundou “as reformas”, que ninguém sabe quais deviam ter sido. Sobre o primeiro “erro”, digamos que governou treze anos aliado aos partidos patronais tradicionais, que se aproveitaram das vantagens dessa aliança para a destituição da presidência do Brasil. Com relação ao segundo, foi Lula quem iniciou a era das “reformas previdenciárias” e quem continuou com os pactos fiscais com os Estados da federação, que tinham sido impostos pelo governo anterior. O próprio Haddad está prometendo continuar por essa via. As “autocríticas” democratizantes terminam sendo sempre charlatanices e autojustificativas. O “campo democrático”, no Brasil, assumiu uma posição de expectativa em relação a Bolsonaro; teme menosprezar a burguesia e desagradar ao eleitorado de Bolsonaro pelo qual poderia ser interpretado como um apoio pró-PT. Nos EUA, o partido democrata não chegou ainda a esse extremo em relação a Trump, ainda que acompanhe a tendência. Após tudo isso, Trump se impôs sobre todos seus opositores dentro do partido republicano.


 


Organizar o combate em toda América Latina

Como já ocorrera na Alemanha e Itália, para exemplificar, antes da ascensão fascista ou nazista, a classe operária do Brasil não foi derrotada, mas sim desmoralizada em um grau maior ou menor – a etapa prévia à derrota. Por isso é necessário produzir uma virada de magnitude, que o PT, assim como tal, não tem possibilidade de realizar. A proposta da hora é “frente única contra o fascismo”, cujo primeiro destinatário é o conjunto de organizações operárias. Se faz urgente a convocação de um Congresso de delegados eleitos para estabelecer um Plano de Luta em defesa das conquistas e das liberdades democráticas, e uma organização adaptada à necessidade de combater à repressão e aos ataques das bandas fascistas. Os militantes do PT devem promover uma virada que a direção política desse partido é incapaz de fazer.


É uma obrigação do conjunto da esquerda da América Latina, que combate a conciliação de classes e a integração ao estado patronal, iniciar uma deliberação política. O giro no Brasil atinge (assola) o conjunto do continente e por sobretudo as massas. Os governos bolivarianos vão utilizar uma vitória de Bolsonaro para justificar suas próprias políticas de integração do movimento operário e repressão de suas lutas, com o argumento de que eles seriam uma barreira ao fascismo – sem admitir que utilizam seus métodos, ainda que em cenários políticos diferentes. A única barreira ao fascismo é a mobilização independente das massas. Recordemos um fato que se menciona com frequência: o parlamento da Frente Popular, eleito na França em 1936, terminou cassando a bancada comunista, prendendo os socialistas e assinando a rendição frente à invasão alemã. A História não se repete ao pé da letra, mas ajuda a pensar.