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14/1/2023

Brasil: não é assim que o golpismo será derrotado

O golpismo escancarado deve ser enfrentado com toda a força das massas.

Assalto de domingo 8.

O assalto de domingo, 8, por alguns milhares de bolsonaristas, ao Palácio do Planalto e às sedes dos poderes legislativo e judiciário, não foi um raio em céu azul.

Incorpora-se a uma série de ações que ocorreram há dois meses: o não reconhecimento de Bolsonaro da vitória eleitoral de Lula, alegando fraude; centenas de bolsonaristas acampados em frente aos quartéis das Forças Armadas em todo o país, pedindo uma intervenção golpista; a renúncia antecipada  da posse de Lula do alto comando militar; tentativa de ataque com explosivos no dia da posse do novo governo, etc.

Mas, a orientação de Lula era conciliar com a direita e o alto comando militar. Nomeou José Múcio, Ministro da Defesa (responsável pelas relações com os militares), que caracterizou os acampamentos fascistoides como “atos que fazem parte da democracia”. Ele reconheceu a participação de “amigos pessoais” e “familiares” nos mesmos.

A ação fascista do dia 8 foi rigorosamente anunciada e preparada. A coluna central veio diretamente do acampamento em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. Os “serviços de inteligência” avisaram que planejavam produzir “atos violentos”.

A polícia “omitiu-se”, deixando o “território livre” para as ações da horda fascista. A guarda militar do Planalto, subordinada ao chefe do Exército, não interveio durante o assalto dos bandos bolsonaristas.

O governador de Brasília e seu chefe de segurança (ex-ministro da Segurança de Bolsonaro) nada fizeram. Para deixar mais evidente a cumplicidade e a provocação, Anderson Torres, chefe da segurança, resolveu sair de férias naquele mesmo dia para os Estados Unidos.

A cumplicidade das forças repressivas foi total. O alto comando militar não denunciou o motim fascista, convivendo e confraternizando com os “acampados” até o último minuto.

Muitos dos fascistas que invadiram a “Praça dos três poderes” estavam confiantes de que eram a ponta de lança de algum tipo de pronunciamento militar. Adriano Camargo Testoni, comandante militar interino do Hospital Militar de Brasília, que marchou no dia 8 para “assaltar” o poder, considerou-se traído pelo alto comando e xingou-o publicamente de alto a baixo (merda, covarde, etc.). Vinte e quatro horas depois, foi “exonerado” pelo chefe da divisão, sob cujo comando estava: não por ser golpista, mas por ter insultado as Forças Armadas. (E ele também se arrependeu publicamente de tê-las achincalhadas).

A reação pusilânime de Lula

Lula teve o cuidado de punir os responsáveis ​​pelo golpe, sob o manto do respeito às “instituições” e à “constituição”. O ministro da Segurança de Brasília, Anderson Torres, que está no exterior, foi demitido e seu cargo está sob intervenção federal. O governador bolsonarista do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que nomeou Torres, foi “afastado” por 90 dias, sendo substituído pela vice-governadora, Celina Leão, do mesmo naipe direitista.

O juiz Alexandre de Moraes, do STF, ordenou o levantamento dos “acampamentos” bolsonaristas em frente aos quarteis e a prisão dos que participaram do golpe do dia 8. Cerca de 1.400 manifestantes foram detidos, dos quais mais de 500 dos que foram presos já foram liberados por razões “humanitáraos”.

Em reunião com governadores, Lula lamentou que nenhum dos generais tenha reagido ao assalto. Mas não tomou nenhuma atitude sobre isso. Pelo contrário, mantém o ministro da Defesa, José Múcio, no cargo.

Lula tem se limitado a fazer pronunciamentos em favor da “defesa da democracia” com governadores, com presidentes das câmaras parlamentares, etc.

Todo o mundo empresarial e político (incluindo a grande maioria dos chefes dos partidos bolsonaristas) se pronunciou “em defesa da democracia”. Lula acaba de realizar uma reunião plenária com os líderes das bancadas, inclusive os bolsonaristas, com esse conteúdo.

Em nosso jornal, Prensa Obrera (29/09/22), apontamos: “Existe um conflito entre um possível governo Lula e as Forças Armadas? Ou Lula irá a uma conciliação com elas, institucionalizando sua presença no governo? Sua permanência seria uma quinta coluna de Bolsonaro, pronta para tentar novos episódios golpistas em aliança com parlamentares evangélicos e rurais”.

Toda a “instituição” militar está comprometida com Bolsonaro -8.000 de seus membros ocuparam cargos no aparelho de Estado- e está apreensiva em perder seus privilégios e/ou ser processada. Eles tentaram condicionar o “novo governo” com uma “anistia” por seus crimes. E não perder seu papel determinante marcando o campo com eventuais intervenções.

Mas, a ação de domingo foi um revés para o golpe militar-fascistóide. Não compreenderam a virada da burguesia brasileira e mundial em favor de um governo de frente popular que promova a conciliação de classes.

Lula conseguiu fortalecer sua posição, obtendo o apoio do grande capital, não só nacional, mas internacionalmente. As principais potências, a começar pelos Estados Unidos, deram seu apoio. Em meio a uma América Latina convulsionada, atravessada por graves crises políticas e rebeliões populares, há um receio fundado de que o Brasil se junte a essa torrente. O imperialismo aposta suas fichas na contenção que o PT no poder pode exercer, paralisando as ações das organizações operárias e sociais e atuando como muro de contenção das reivindicações populares, em primeiro lugar, a revogação das reformas trabalhista e previdenciária impostas por seus predecessores.

Mas também demonstra sua fragilidade ao não derrotar o golpismo buscando a mobilização popular. As centrais operárias (CUT, etc.) “saíram de cena”, não convocando a greve geral e a mobilização política das massas trabalhadoras contra o golpe. Após o refluxo do golpe de domingo, dia 8, “participaram” (não se mobilizaram) das concentrações de alguns milhares em atos de repúdio. A CUT tem se dedicado a glorificar o membro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, transformando-o em herói democrático. Este acaba de determinar na manhã desta quarta-feira (11), “a prisão em flagrante de quem pretende bloquear e/ou ocupar rodovias em todo o país; manifestações antidemocráticas organizadas; a identificação e apreensão dos veículos que participam desses eventos”.

Este é um perigoso precedente contra a luta operária e popular. É o sonho dos direitistas argentinos, Patrícia Bullrich e Milei, em reprimir o movimento piqueteiro e as mobilizações de diversos tipos que apelam à ação direta (ambientalistas, contra o “gatilho fácil”, etc.).

Não se come com o verso da democracia…

Algumas prévias dos planos a serem executados pelos novos ministros são puros cosméticos. A Ministra da Mulher se propõe a defender os “direitos” ao aborto – em caso de estupro, etc., vigentes desde 1943 – diante das ameaças da direita. Renunciando – como se comprometeu Lula frente ao evangelismo na campanha eleitoral -, para lutar pelo pleno direito ao aborto. Isso serve como cortina de fumaça para esconder compromissos com o establishment, a começar pelo fato de que não serão revistos os principais retrocessos econômicos, sociais e políticos materializados sob o manto do bolsonarismo.

Em nome da “defesa da democracia” pretende adiar as reivindicações das massas.

Setores de esquerda, como o PSOL, são mais cínicos a esse respeito. O PSOL acaba de lançar uma campanha nacional de “milhares de assinaturas” por “Bolsonaro preso: sem anistia”, dirigida ao governo do qual fazem parte.

Não será pela intervenção do juiz Alexandre de Moraes (lembre-se da exaltação do desembargador Moro em sua campanha a favor da lava-jato, convertida na vanguarda do golpe contra a presidente Dilma Rousseff, do PT), nem pela campanha de assinaturas do PSOL que se poderia impedir um eventual golpe de direita. Mas pela intervenção dirigente das massas trabalhadoras: pela greve geral e pelas manifestações políticas de massas. Para isso, é necessário promover a luta de protesto das massas, colocá-las em ação. E, a ruptura da paralisia colaboracionista da CUT e das centrais de massa: independência política e organizacional das organizações dos trabalhadores e dos explorados.

O golpe deve ser enfrentado com toda a força das massas quando se apresenta de forma aberta. Dissipar a ameaça de golpe freando as lutas populares para “não fazer o jogo da direita” não apenas é antitrabalhadores, mas também encoraja uma eventual sedição da direita.

Artigo extraído e traduzido pela Tribuna Classista do link :